NOTAS DA REPÚBLICA PORTUGUESA

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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dia 5 de Outubro de 1910 - Hoje faz 100 anos


Hino Nacional - Antes e Depois da Implantação da República a 5 de Outubro de 1910





Centenário da Implantação da República - Revolta de 31 de Janeiro


Diário da República: A revolução de 1910
Por volta das 9 horas da manhã do dia 5 de Outubro, Eusébio Leão, na companhia de quase todo o Directório do Partido Republicano, assomou na varanda da Câmara Municipal de Lisboa para anunciar solenemente à multidão que estava implantada a República em Portugal e, portanto, abolida a Monarquia e proscrita para sempre a Casa de Bragança. Nessa tarde, enquanto a vitória do novo regime era comunicada por telégrafo de Lisboa a outras cidades e à província, o rei D. Manuel II e a família real embarcavam na Ericeira a caminho do exílio.

A maioria das análises sobre o 5 de Outubro mostra que não foi uma revolução de massas, nem mesmo um golpe militar solidamente organizado. Foi antes o resultado voluntarista do esforço de alguns oficiais da armada – sobretudo Machado Santos, o “herói da Rotunda” – e de umas centenas de civis armados, que enfrentaram uma monarquia muito fragilizada por divisões internas, pelo descrédito de um rei jovem e inexperiente, que nunca se soube impor, e de forças armadas cuja fidelidade ao comando monárquico foi quase nula na hora do combate.

Foi assim ,de forma algo amadora e quase acidental, que os republicanos puseram fim a 750 anos de monarquia em Portugal, ao cabo de 48 horas de luta na Rotunda, no Tejo e na linha de Alcântara. Em todo o caso, o 5 de Outubro inaugurou o século XX português, fazendo do país, ao tempo, a segunda República moderna da Europa a seguir à francesa e consagrando uma forma de regime que, apesar da variação de conteúdo ao longo das décadas seguintes, é ainda aquela que hoje rege Portugal.

Com todas as virtudes e defeitos, Portugal tem uma República há cem anos.

1910 revisitado

Os sinais de que a mudança de regime podia estar eminente já eram visíveis nos diversos periódicos e foram-se adensando cada vez mais. Se é verdade que O Século, fundado pelo maçon Magalhães Lima,sempre se assumiu como uma espécie de porta-voz e defensor da causa republicana outros, como o concorrente Diário de Notícias foi-se rendendo, a pouco e pouco , à evidência de que os republicanos tinham uma influência política cada vez maior e as suas actividades não podiam ser ignoradas. No entanto, continuava a dar grande destaque à Família Real e à Coroa.

No dia 2 de Janeiro as Cortes reabriram com a presença do Rei D. Manuel II. Ambos os jornais deram largo espaço ao evento no dia seguinte mas ocupando grande parte da notícia com descrições detalhadas sobre o ambiente, o tempo, as presenças, o que levavam vestido, quem cumprimentavam, etc. Pouco espaço foi reservado ao discurso de D. Manuel, que mesmo assim reproduziram na íntegra. O Diário de Notícias não fez qualquer comentário, mas O Século expressou a sua opinião no título “O discurso da Côroa nem surpreende nem interessa …” Muito significativamente, ao lado o jornal colocou o anúncio a uma peça de teatro protagonizada pela actriz Ângela Pinto que se chamava “O Canto do Cisne”!

As lutas operárias passaram a ocupar cada vez mais espaço nos dois jornais de maior tiragem, ao ponto de terem direito a uma coluna diária. Reivindicações, protestos, greves, manifestações, as conquistas, tudo era noticiado assim como as festas, concertos e saraus que se organizavam a fim de angariar fundos para os grevistas que não tinham salário. Por vezes também podiam contar com a solidariedade internacional, seja na ajuda económica seja na presença de líderes sindicais que vinham apoiar as lutas do operariado português.

 “A excepção confirma a regra” e a vida operária não fugia ao ditado popular. Foi por exemplo o que aconteceu num domingo de Setembro de 1910 quando 900 operários da Real Fábrica de Louças de Sacavém se meteram num comboio especial com 17 carruagens para irem ao Estoril demonstrar a sua gratidão ao patrão, o industrial Jayme Gilman. O Diário de Notícias mostrava as fotografias do animado convívio entre o patrão e família com os seus operários.

Os problemas com a carestia de vida que a maioria da população enfrentava não escapavam à imprensa. Por exemplo, no fim de Março o Diário de Notícias destacava a o alto preço dos géneros e afirmava que “ a vida em Lisboa é bastante difícil e talvez haja poucas capitais da Europa onde seja tão dispendiosa, sobretudo em géneros de 1ª necessidade”.O jornal apontava o dedo aos açambarcadores e aos intermediários que faziam chegar os produtos aos consumidores, mais caros. E num tom crítico afirmava que para “acudir a todas estas fatalidades é que devem intervir os poderes públicos, para fazer leis, evitar fraudes, protegendo o comércio, a indústria e os consumidores”.

No fim de Abril decorreu no Porto o Congresso Republicano. A Imprensa foi autorizada a assistir e lá estiveram várias dezenas de jornalistas, muitos deles republicanos. O Partido Republicano assumiu o anti-clericalismo mas aceitou a proposta de Bernardino Machado segundo a qual a reacção clerical deveria obedecer a um plano muito ponderado de forma a evitar intolerâncias.

O Congresso decidiu também enviar Bernardino Machado, Magalhães Lima e José Relvas ao estrangeiro – Espanha, Inglaterra e Itália – para auscultar a recepção a uma República em Portugal. Entretanto, foi nomeada uma Comissão para colaborar mais activamente com a Carbonária e preparar a Revolução.

Enquanto os republicanos sonhavam com uma mudança e regime, a maioria da população andava muito nervosa com a passagem do Planeta Halley pela Terra, prevista – e concretizada – a 20 de Abril. Já se falava em “fim do mundo” e foi preciso que alguns mais esclarecidos – como Teófilo Braga – viessem explicar que podiam ficar descansados porque a passagem do Halley não teria qualquer consequência na Terra. Mas não deixou de ser tema de conversa e até inspirou anúncios e uma revista com 3 actos e 12 quadros que esteve em cena no Teatro Paraíso chamada “No Cometa”.

Já em 1910 os jornalistas se queixavam da falta de condições de trabalho no Congresso. Mas quando lhes foi vedado o acesso aos Passos Perdidos por causa das reclamações de alguns deputados, os representantes da imprensa pediram uma reunião com o Presidente, o Conde Penha Garcia. A conversa valeu a pena porque os jornalistas conseguiram a promessa de em breve lhes seria disponibilizada uma sala e outras concessões que “facilitem o desempenho da sua árdua tarefa”. No fim, o artigo do DN não se esquecia de referir que “aquele titular tinha sido, como sempre, extremamente amável com os representantes da imprensa”.

No seguimento de mais uma crise política, o Rei D. Manuel II convidou Teixeira de Sousa para formar governo e este aceitou. Ficou desde logo estabelecido que seriam convocadas eleições gerais para 28 de Agosto, que seriam as últimas da Monarquia Constitucional. O Partido Republicano Português ganhou em Lisboa, Setúbal e Beja elegendo catorze deputados.

Um mês depois, o PRP reuniu de emergência porque os seus membros desconfiavam que alguns espiões da monarquia tinham conseguido infiltrar a organização. E decidiram que a Revolução tinha que avançar quanto antes, apesar de não terem um plano. No dia 2 de Outubro voltaram a reunir na sua sede no largo de São Carlos e o Almirante Cândido dos Reis achou que era altura de agir. Mas no dia 3, um doente mental do Hospital de Rilhafoles assassinou o seu director Miguel Bombarda, que era o chefe civil da conspiração. Acto tresloucado ou assassinato político, o certo é que a moral dos republicanos baixou quando a notícia começou a ser espalhada.

Na madrugada de dia 4 eclodiu a revolução e aproveitando a presença no Tejo dos cruzadores Adamastor e S. Rafael que tinham sido tomados, os revolucionários bombardearam o Rossio onde estava a Guarda Municipal fiel à Monarquia e o Palácio das Necessidades, onde estava o Rei. Os republicanos esperavam a adesão de muitas unidades militares da guarnição de Lisboa mas apenas três responderam à chamada e Cândido dos Reis, desesperado, suicidou-se. Concentrados na Rotunda, os revolucionários combatiam os soldados leais a D. Manuel, liderados por Paiva Couceiro mas a notícia de que a Guarda Municipal iria “carregar” levou muitos militares a fugir. Ficaram pouco mais de uma centena com cerca de cinquenta civis, liderados por Machado Santos mas algumas horas depois já tinham ao seu lado quase 1.500 soldados que tinham desertado.

E acabou por ser um “lapso” que levou a que a República fosse proclamada mais cedo: ao fim da madrugada o representante da Alemanha pediu um cessar – fogo para permitir a evacuação dos alemães. Os soldados no Rossio hastearam uma bandeira branca que a população interpretou como um sinal de rendição. E pouco depois José Relvas fazia o anúncio da varanda da Câmara de Lisboa.

Nos dias seguintes a República foi sendo proclamada pelo resto do país pelo telefone. Curiosamente já tinha sido proclamada logo no dia 4 nos concelhos de Almada, Barreiro, Seixal e Montijo.

No dia 6 a Família Real embarcou no iate Amélia na praia da Ericeira com destino ao exílio.

Entretanto o Governo Provisório tomou posse e as primeiras medidas adoptadas visaram a Igreja: por decreto foram encerradas as casas religiosas e expulsos os jesuítas; o ensino religioso foi abolido das escolas e os membros do clero começaram a sofrer perseguições e maus – tratos que culminariam com a aprovação da Lei da Separação do Estado das Igrejas em Abril do ano seguinte.

Um dos primeiros países a reconhecer a República do Brasil. O seu Presidente, Marechal Hermes da Fonseca, encontrava-se cá, em visita oficial a convite de D. Manuel II e acabou por testemunhar todos os acontecimentos a bordo do cruzador S. Paulo, ancorado no Tejo.

Os confrontos nestes dias de Revolução provocaram vários mortos e feridos. E como era hábito, os jornais lideravam campanhas de solidariedade… neste caso, o Diário de Notícias organizou uma campanha de fundos “a favor das vítimas sobreviventes da mudança de regime”.

Por outro lado os Armazéns do Chiado publicaram um anúncio diferente do habitual e fizeram saber que “nunca nada pediram à Monarquia e também nada pedirão à República. E decidiram pagar a “férea” semanal a todo os seus 500 funcionários como se não tivesse havido interrupção do trabalho por causa dos tumultos. Além disso ainda ofereceram um cheque de 300 mil reis para ajudar as famílias dos combatentes mortos ou feridos.

A primeira greve da República começou no dia 25 de Outubro e foi a dos carroceiros que lutavam por melhoramentos salariais. Eusébio Leão foi um dos mediadores; o segundo foi a Associação dos Lojistas, que era muito prejudicada com o conflito. Ao fim de três dias estava tudo resolvido.

No dia 15 de Novembro a CARRIS deu início a uma vaga de greves que se prolongariam por muito tempo. Três semanas depois o Governo faria um decreto em que restringia o direito à greve e que levou os operários a apelidá-lo de “decreto burla”.

Depois de avisar que dia 1 de Novembro não era dia santo nem feriado, no dia 13 o Governo decretou que daí para a frente existiriam apenas 5 feriados: 1 de Janeiro consagrado á fraternidade universal; 31 de Janeiro, aos mártires da República; 5 de Outubro, pelos heróis da República; 1 de Dezembro, consagrado à autonomia da Pátria Portuguesa e 25 de Dezembro, dedicado à Família (mas que consagra o Casamento Civil e o Divórcio).

No dia 1 de Dezembro realizou-se a primeira festa da República, dedicada à Bandeira Nacional. Depois de muita discussão foi decidido que seria verde e vermelha com a esfera armilar em amarelo e os escudos. Apesar da “enfadonha chuva” milhares de pessoas participaram nas manifestações.

Este foi ainda o ano em que foi lançada uma nova revista que se assumia como o órgão oficial do movimento renascença Portuguesa: A Águia. Fazia a apologia do ideal e dos valores nacionalistas e foi nas suas páginas que se leram, pela primeira vez, os ensaios de Fernando Pessoa. Mas teve outros colaboradores com diversas tendências literárias, como Teixeira de Pascoais, Veiga Simões e Augusto Santa Rita. Como curiosidade refira-se que apesar de quase 75% da população portuguesa ser analfabeta por esta altura Portugal tinha cerca de 500 publicações periódicas, entre jornais e revistas, o que o colocava ao nível dos países mais desenvolvidos da Europa

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